terça-feira, 28 de agosto de 2007

Renée de Vielmond


Aos 47 anos, a atriz que foi um dos rostos mais lindos da tevê nos anos 70 revela que foi infeliz por mais de 30 anos, diz que, se pudesse, não seria atriz novamente e investe numa nova vida fazendo faculdade de História

A atriz Renée de Vielmond mirou a sala 402 da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sob olhares curiosos, entrou e sentou-se numa carteira da primeira fila. Chegou uma hora antes para a aula das 8 horas. Alguns colegas foram cumprimentá-la. “A maioria deles lembrou-se de mim em novelas antigas, de quando eram pequenos”, diz.
Era o início de uma revolução na vida de um dos mais belos rostos da televisão brasileira. Ex-mulher do ator José Wilker e símbolo de beleza nas novelas da Globo nos anos 70, Renée estreava na faculdade de História da PUC. Não era uma simples volta às aulas. E não por acaso escolhera uma carreira tão atrelada ao passado.
Na hora da chamada, um susto. Flávia Eyler, professora de História Medieval, disse-lhe, na frente de todos: “Sei o que você procura aqui. É a normalidade”. A observação da mestra a atingiu. Durante a aula, Renée chorou baixinho. “Foi quando eu entendi o que estava fazendo naquela sala de aula”, diz ela, três anos depois.
Naquele primeiro dia de aula, a artista começou a revisão da sua história. Hoje, a universitária Renée de Vielmond, 47 anos, consegue voltar o olhar para o seu passado e afirmar: “Eu não seria atriz”. Numa época em que oito entre 10 jovens no País alimentam o desejo de ser artista, Renée, que viveu a glória do estrelato, demole o mito da profissão dos sonhos. Pelo menos para si mesma.
Estrela de 14 novelas, quatro peças e três filmes, essa história não lhe bastou. “Sempre senti um vazio que aumentou com o tempo. E eu sabia que a profissão de atriz não o preencheria”, diz. O que não quer dizer que está dando adeus à carreira. Pelo contrário, precisa dela inclusive para se sustentar e aguarda um chamado para voltar ao vídeo.
Afastada da Globo desde Explode Coração, exibida em 1996, Renée expõe angústias e decepções de quem dedicou todo fôlego a mais de 30 anos de carreira. “Não fui feliz por 33 anos. Percebi que não dei conta de ser mulher, atriz e mãe ao mesmo tempo e resolvi desmontar a farsa da Mulher Maravilha”, confessa. “Perdi muito tempo.”
Embora reconheça seu talento, ela duvida da vocação. “Sempre fui uma atriz amadora. Nunca planejei minha carreira”, afirma. A atriz fez sucesso em Escalada (Globo, 1974), na primeira versão de Anjo Mau (Globo, 1976) e como a fotógrafa Kely de Eu Prometo (Globo, 1983), par romântico do protagonista Francisco Cuoco. Em seu último papel, interpretou uma mulher mais velha que se apaixonou por um jovem vivido pelo ator Rodrigo Santoro. Na decoreba de textos, ela acha que não construiu um espírito empreendedor.
Se pudesse ter escolhido um trabalho na tevê hoje, Renée gostaria de ter atuado em Terra Nostra, de Benedito Ruy Barbosa ou em Aquarela do Brasil, de Lauro Cesar Muniz. “Tenho saudades dela e daquela época. Renée me estimulava a escrever”, diz Muniz, também autor de Escalada. “É uma das poucas atrizes que constróem a personagem exatamente como o escritor a imagina.”
A colega Beatriz Segall, com quem atuou em Barriga de Aluguel, exibida na Globo em 1991, faz coro. “É excelente profissional. Gostaria que voltasse”, diz. “Sentimos sua falta, é uma das pessoas mais bem educadas que já conheci.”
Para o dramaturgo Aderbal Freire Filho, que escreveu a peça Izabel, em cartaz com Maitê Proença, a insatisfação de Renée é compreensível. “A tevê massacra o artista. Foi o que aconteceu com Renée”, diz.
Jovem do fim dos anos 60, ela acredita que a escolha pela carreira artística foi ideológica. “Era comum abandonar instituições para conquistar a independência”, diz ela, filha de um casal que, junto, ostenta cinco diplomas – Direito, Letras, Engenharia, Sociologia e Economia. Antes do diretor Antunes filho descobri-la, Renée morou em sete capitais do Brasil por causa do pai, engenheiro de uma multinacional.
Hoje, o peso da fama talvez tenha desenfreado a busca por uma vida de gente anônima. “Eu me encontrei na sala de aula”, diz. Aplicada, apelou no início do curso para um gravador. Só assim acompanhava as aulas relaxada. Com dificuldades em se adequar ao computador, faz os trabalhos à mão, com sua inseparável caneta-tinteiro. “Ela anota tudo e surpreende com seus trabalhos”, conta a professora de Cultura Brasileira, Graça Salgado.
Renée deu partida a sua aventura universitária quando bateu os olhos num anúncio de vestibular. Recortou do jornal e guardou na bolsa. Em menos de dois meses, prestava vestibular. Acostumada a decorar textos de Sófocles a Janete Clair, ela se viu diante de problemas de química e física, que respondeu recorrendo a experiências domésticas. “Lembro de uma questão sobre uma caixa d’água que resolvi de acordo com explicações de encanadores”, diverte-se.
Passou em 8º lugar na lista de aprovados para o curso. O desempenho ganhou nota em um jornal carioca em 14 de julho de 1997, data de seu aniversário. Nas páginas de seu diário, também mereceu destaque. Renée registra fatos desde os 13 anos, e acumula 30 volumes.
DINHEIRO NO FIM A faculdade vai de vento em popa, mas o bolso não. O contrato com a Globo venceu em maio e não foi renovado. O pé-de-meia está no fim. “Tenho conta para pagar”, diz. A faculdade custa R$ 443,08 por mês, além do material. Os livros mais caros ela pega emprestados na biblioteca da PUC ou pede de presente a amigos em datas especiais, como aniversário e Natal. “Não sou moça, rica ou bem-casada”, diz ela, que este ano deu entrada em sua aposentadoria.
Renée freqüentou as aulas no segundo semestre de 1997 e trancou por dois anos. Contratada da Globo, recebia 60% do salário e poderia ser chamada. Ficou dois anos à espera de um convite. Depois, decidiu voltar à faculdade. Agora, vive um dilema: “Se voltar a trabalhar, terei de trancar a faculdade de novo”.
Mariana, de 20 anos, sua filha com José Wilker, preocupa-se com a eventual volta. “Às vezes ela pergunta: ‘Mãe, você não vai trabalhar?’.” Fruto de um casamento de dez anos da atriz com o ator, Mariana faz psicologia na mesma universidade. “Minha mãe estava precisando se dar essa chance”, diz Mariana. As duas moram num apartamento de três quartos no Leblon, zona sul do Rio, e fizeram um pacto de não ir ou voltar juntas da faculdade nem de se encontrar nos intervalos. “Tinha medo de invadir o espaço dela”, explica Renée.
MEDO DA PAIXÃO CEGA O ex-marido também aplaude a virada da atriz. “Renée é uma mulher que abomina a mediocridade e foi corajosa em dar um tempo para voltar a estudar”, diz José Wilker. A relação dos dois é cordial. Com ela, Wilker divide as despesas da filha. “Não somos amigos, somos separados e ponto. Mas é um ótimo pai.”
Foi na separação que recorreu ao divã. “Em 16 anos de análise, descobri que nasci para ser solteira”, diz ela, que não pensa em se casar mais. “Vivi intensamente o meu casamento e tenho medo de amar ou da paixão cega, surda e simbiótica.” Wilker e Renée se conheceram nas gravações de Anjo Mau. “Morávamos de aluguel e éramos irresponsáveis com o dinheiro”, conta.
Por isso, incentivou a filha a estudar. “Nem deu tempo de ela pedir para ser atriz, fiz lavagem cerebral mesmo”, diz. E, curiosamente, a escolha de Mariana, que estuda psicologia, projeta um desejo remoto de Renée. Quando era criança, queria ser psicanalista. As brigas se limitam ao volume do som, culpa de Renée. Ela adora ouvir MPB e música clássica.
A filha pega no pé quando o assunto é vaidade. Renée guarda num só armário suas roupas de “frio, calor, de gorda e de magra”. Os cabelos, quase sempre, ficam presos. Os amigos não cansam de sugerir um corte “mais moderno”, mas ela reluta. “Sou uma tela em branco”, diz, alisando os cabelos. “E se minha próxima personagem usar cabelo comprido?” Se estivesse livre do compromisso com o visual, Renée pararia de pintá-los. “Deixaria meus cabelos brancos”, diz. Como se a atriz quisesse passar uma tinta branca no passado e começar a pintar a sua nova história.